O silêncio das ruas do Bebedouro, em Maceió, guarda histórias de perda, resistência e reconstrução. O bairro, um dos primeiros atingidos pelo afundamento do solo provocado pela mineração, se tornou símbolo de um processo doloroso de deslocamento forçado e ruptura de vínculos comunitários.
Entre casas esvaziadas e memórias que resistem, o território hoje é também espaço de reflexão e aprendizado sobre o que significa reparar danos que não são materiais, mas humanos, sociais e simbólicos.
Foi nesse cenário que aconteceu a etapa prática do curso “Projetos de Reparação de Danos Extrapatrimoniais”, promovido pela Rede Brasileira de Certificação, Pesquisa e Inovação (RBCIP), no âmbito do Programa Nosso Chão, Nossa História.
A formação reuniu representantes de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), coletivos e lideranças comunitárias em um processo de capacitação voltado à elaboração, execução e monitoramento de projetos de reparação, conectando fundamentos jurídicos, sociais e culturais à realidade das comunidades atingidas.
Vivência no Bebedouro: aprender a partir do território
Um dos momentos mais marcantes do curso foi a visita ao bairro do Bebedouro, conduzida pelo professor Tancredo, que guiou os participantes por uma caminhada de escuta e observação.
A atividade de campo permitiu compreender, de forma sensível e concreta, como os danos extrapatrimoniais, aqueles que atingem a dignidade, a identidade e o sentido de pertencimento, se manifestam no cotidiano das pessoas.
O grupo percorreu áreas que antes eram cheias de vida e hoje estão cercadas por muros e tapumes. A experiência provocou reflexões sobre memória coletiva, direito à cidade e justiça social.
Para muitos participantes, foi a primeira vez em que puderam associar o conceito de reparação extrapatrimonial à vivência direta de um território afetado, reconhecendo o poder da presença e da escuta ativa como parte do processo de reconstrução simbólica.
Durante o percurso, Tancredo destacou que “a reparação é também um exercício de reconhecer o valor das histórias que permaneceram, mesmo quando os espaços físicos desapareceram”.
Formação voltada à prática e ao fortalecimento das OSCs
Ao longo das aulas teóricas e mentorias, os participantes estudaram temas como fundamentos jurídicos da reparação, justiça restaurativa, participação social, elaboração de projetos e monitoramento de impacto social.
A metodologia foi pensada para unir conteúdo técnico e sensibilidade social, promovendo um aprendizado dinâmico, com atividades presenciais e acompanhamento virtual via WhatsApp, que garantiram interação contínua e troca de experiências entre os coletivos.
O curso buscou não apenas transmitir informações, mas estimular autonomia e protagonismo das OSCs diante dos desafios de planejar e executar projetos de reparação.
Ao final, os participantes se mostraram mais preparados para transformar ideias em ações concretas e alinhadas aos princípios de memória, verdade e participação comunitária.
Fortalecimento da rede e continuidade do processo
Essa formação faz parte de um conjunto de iniciativas da RBCIP e do Programa Nosso Chão, Nossa História voltadas ao fomento e fortalecimento das OSCs que atuam no contexto do desastre socioambiental em Maceió.
As capacitações têm contribuído para criar um ambiente de controle, transparência e aprendizagem coletiva, preparando as organizações para acessar recursos públicos, executar projetos com mais segurança jurídica e participar ativamente dos processos de reparação.
Ao integrar o aprendizado técnico à vivência em campo, o curso se consolidou como um espaço de reconstrução simbólica, onde a memória e a prática caminham juntas na construção de novos caminhos para os territórios atingidos.
Sobre o Programa Nosso Chão, Nossa História
O Programa Nosso Chão, Nossa História atua na reparação dos danos morais coletivos causados pelo desastre socioambiental em Maceió, além de mitigar seus impactos e promover o bem-estar para a população atingida.
O Programa apoia projetos em diferentes áreas resultados da primeira geração de editais, como assessoria técnica e jurídica, produção de memória, fortalecimento das culturas locais, saúde mental comunitária, geração de renda, bem-estar animal e outras iniciativas. Todos os projetos foram selecionados por meio de edital, garantindo diversidade de propostas e ampla participação da sociedade civil e de órgãos públicos.
O Programa é executado pelo UNOPS, escritório de projetos da ONU, a partir das diretrizes definidas pelo Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais, com recursos oriundos de acordo firmado em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), que responsabilizou a Braskem pelos danos morais coletivos à população de Maceió.




























